27.12.06

E agora...

por aqui.

16.5.06

Uma ponte

Foi caminhando lentamente, no escuro, naquele lugar que não conhecia. Ouvia histórias de sua infância, contadas com precisão de detalhes pela amiga distante, esquecida. Infância parcialmente passada ali, naquele ambiente agora quase completamente estranho a ela. Sentia imenso carinho pelas recordações das quais não mais se lembrava. Era sempre feliz nesses momentos, mesmo que não o tivesse sido.

Continuava seguindo pela ponte sem iluminação, uma ponte partida, assim como suas memórias. Uma ponte que não dava para lugar algum, uma ponte que chegava até certo ponto do mar e só. Não tinha um destino, um ponto final, somente as ruínas do que foi um dia. Já era noite, nada podia ver a não ser o pisca pisca hipnótico dos vaga-lumes. Já não os via há muitos anos. 'Cuidado que aqui fica cheio de caranguejos, não vá pisar em nenhum', advertiu a amiga mais familiarizada com o local. 'Os vaga-lumes também, tem alguns muito próximos do chão, cuidado'. Sim, muito cuidado.

Pelo caminho, a parca iluminação não permitia que enxergasse muito do que estava ao redor, mas o que se insinuava frente aos seus olhos interessados já era o suficiente para a fazer desejar ter vivido mais intensamente o seu passado, ali. Desfrutou então, na escuridão, de momentos nunca vividos. Observou o pôr do sol, sentiu o forte cheiro de maresia, ajudou os pescadores com suas enormes redes, pediu carona em um dos precários barcos presos por cordas totalmente cobertas por algas, correu até o limite da ponte, quase caiu e voltou chorando, assustada. Pisou, sem querer, em um caranguejo e nunca esqueceu ou se perdoou. Tirou fotos, muitas fotos, escreveu mais tarde sobre tantos momentos que a marcaram na infância naquela mesma ponte, a praia, os amigos, os vaga-lumes, pescadores, as marés altas e baixas...


***

Pobre velha música!
Não sei por que agrado,
Enche-se de lágrimas
Meu olhar parado.

Recordo outro ouvir-te,
Não sei se te ouvi
Nessa minha infância
Que me lembra em ti.

Com que ânsia tão raiva
Quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei:
Fui-o outrora agora.

('Pobre velha música!', Fernando Pessoa)

24.4.06

Conversa de porta de elevador

Chegando no trabalho. Atrasada. Esperando o elevador. Eu e mais uma pessoa, um funcionário do meu trabalho. Pessoa dessas que cruzamos nos corredores, mandamos o tradicional ' E aí? Tudo bom?' sem nem ao menos esperar pela resposta. Mas aí vocês estão na frente do elevador, que não chega. Todos já passamos por isso.

- A Carla, voltou com o Sandy, você viu?
- Oi?
- Na tv, ontem. A Carla Peres, voltou com o Sandy e Júnior.
- Ah... é, não vi...
- Pois é. Tinham terminado, a Carla, o Sandy Júnior. Mas não acredito nisso não. Tudo armado. Eu não acredito. Não, não.
- É...

Sinto muita falta do bom e velho 'tá um calorão, né?'...

15.3.06

Acabei de ler 'A Sangue Frio' e estou muito entristecida. O que vou ler agora? Ok, não precisa responder, mas tinha tempos que eu não lia um livro tão gostoso, que fluísse tão bem. Uma delícia mesmo. Agora já posso ver 'Capote'. Eu devia ter vergonha de admitir que sou uma dessas que só lê o livro por causa do filme, mas, bem, eu sempre faço isso. So what?

Aí, no trabalho, eu distraidamente deixei um pedacinho do livro saindo de dentro da bolsa e uma pessoa perguntou:
_ Ah, você está lendo? Também quero ler!
_ É, tô lendo antes de ver o filme... - ai, como sou muito mais rápida que você, há!
_ Pois é, quero ler. Só não li ainda porque quero conseguir uma versão original, em inglês... é outra coisa, né?
_ É... - (...)

Mas então, o livro é tão bom que abandonei minha observação diária de pessoas aleatórias nos ônibus, assim como os pensamentos sem sentido que são meus fiéis companheiros de viagem. Eu nem diria que andei de ônibus nos últimos dias. Sobe as escadinhas, cata moedas, paga o trocador, senta, abre o livrinho e, como num passe de mágica, chegou! Sempre numa parte interessante da leitura! Tudo bem, aumenta o suspense! Enfim, amanhã voltarei a andar de ônibus.

***
Ok, e agora, totalmente fora do contexto... bem, podemos dizer que é outra coisa muito gostosa, assim como a leitura do livro. Lá vai:















Yep, eu que fiz, muito talentosa! Registrando aqui para a posteridade! É estou muito orgulhosa do meu feito, principalmente considerando a minha notável inabilidade culinária. Mas é que foi feito com Sazón, se é que vocês me entendem - infâmias saem sem que eu consiga controlá-las.

Agora não sei do que sinto mais falta: do livro ou do brownie, ambos terminados. Outro paralelo. Sou muito boa nisso!

8.3.06

E, finalmente...

Feliz 2006!

24.2.06

17.2.06

Fique de olho...

Aí eu vi uma menina hoje no ônibus que ocupou boa parte do tempo ocioso entre minha casa e o trabalho. Não, isso não é uma confissão de tendências homossexuais escondidas. Mas eu tenho mania de observar pessoas aleatoriamente. Você não tem não? Hum?

Ela tinha a pele branca e o cabelo muito comprido, pintado de preto, cuidadosamente escovado, com chapinha, liso escorrido. Era um cabelo impecável que brilhava ao sol. Eu reparei antes que ela entrasse no ônibus e fiquei pensando que deve dar um trabalhão cuidar daquele cabelo. Ainda mais com o calor que faz aqui no Rio, aquela perfeição toda não deve durar muito. De jeito nenhum... Não se a minha inveja pudesse impedir.

Ela estava com uma amiga. As duas estavam de bermuda. Reparei porque eu mesma andava obcecada por uma dessas, e estou nesse momento vestindo o meu exemplar. Só um comentário de uma consumidora feliz.

A menina era bonita e estava de blusa verde e óculos escuros exagerados. A menina e a amiga sentaram-se no banco a minha frente, e não pararam de conversar um só minuto. Pelo sotaque, supus que eram baianas. A menina bonita falava para a outra sobre algum tipo de simpatia, banho de sal grosso ou algo assim, que a tinha ajudado a conseguir uma coisa que queria muito. A outra rebatia, dizendo que não tinha sido o sal grosso, e sim Deus. 'Essas coisas de sal grosso, de banho disso, de banho daquilo... isso é tudo muito místico. Isso tira a glória de Deus. Deus é misériocordioso...' dizia a amiga. Hum, perdeu minha simpatia nesse momento. E a palavra misericordioso ganhou o monopólio de longos segundos de meus pensamentos. Coisa de autista.

As duas meninas pareciam independentes. Me lembraram minha prima e sua amiga, que se mudaram do interior de Minas para o Rio de Janeiro há algumas semanas, para estudar e trabalhar. Tinham o mesmo ar desbravador. Tinham em comum, ainda, o gosto pelas bermudas. É, essas bermudas estão mesmo na moda.

Daí elas continuaram conversando e saltaram no centro da cidade. A menina bonita chamava atenção, percebi os olhares de cobiça dos rapazes qnuanto ela saía do ônibus.

Então, a viagem de ônius continuou e eu esqueci da menina e de toda a conversa sobre a misericórdia de Deus.

***

Agora há pouco, sentada na minha sala, espio a televisão. E quem eu vejo? A menina bonita, de verde, com seus grandes óculos, o cabelo ainda impecável. Ela estava dando sua opinião sobre o 'Big Brother', numa daquelas insistentes chamadas do programa, comandada por um ser que acha uma boa idéia ameaçar jogar o microfone na cara dos telespectadores. Para mim parece um pouco agressivo. Ele deve achar original. Vai saber.

A menina de verde dava sua opinião: 'É, os homens são mesmo muito insistentes. Tanto aqui quanto na Bahia. Não tem diferença'. Em uma frase, confirmei minhas suspeitas. Afinal acertei, era mesmo baiana.

A menina, dando sua opinião sobre os observados da tv, nem deve imaginar que ela mesma estava sendo observada. Ninguém nunca sabe. Quem precisa de Big Brother, afinal?

***

Já o prêmio de 1 milhão de reais... bem, esse eu não garanto que você vá conseguir andando de ônibus por aí.

Batalha

Ele estava na dele. Depois da briga, não queria mais conversa. Tinha evitado esbarrar com ela pelos corredores da casa o dia todo. À tarde, dormiu no sofá, mesmo sem sono. Acordou, tomou um demorado banho e esperou até ouvir os passos dela se distanciando, indo da cozinha, onde sempre ficava, em direção ao quarto, onde ele não entraria tão cedo. Podia, assim, adiar por mais algumas horas o inevitável encontro. Mas apesar de todos seus esforços, agora se deparava com a curiosa situação. Não podia acreditar em seus olhos. Por que ela teria saído e deixado aquilo logo ali, na sua vista, exposto? Com certeza não foi por ingenuidade. Talvez fosse uma armadilha. Se ele colocasse a mão, luzes se acenderiam, um alarme soaria escandaloso e ela a olharia com o ar da vitória: 'Sim, você sucumbiu, eu sabia'.

É, depois dos últimos acontecimentos, era bem provável que ela tivesse planejado algo assim, não seria exagero algum considerar essa hipótese. Ele sentia que toda a cena tinha um quê de simbólica. Ela sabia o quanto ele gostava e precisava daquilo. Principalmente nesse momento, estando triste como estava. E, veja só, logo agora que a relação dos dois estava seriamente abalada, ela colocava ali, displicentemente, à sua vista, seu maior vício. 'Comprei especialmente para você', conseguia ouvir sua voz em tempos felizes, que se repetiria agora, não fosse aquela situação delicada que estavam atravessando. Não que ela própria também não gostasse, mas aquele já era um gesto pré-estabelecido para agradá-lo, ele sabia disso.

Ele não podia cair naquela amadora armadilha. Além do mais, ultimamente estava lutando bravamente para se livrar daquele vício. Tentou desviar o olhar, pensar em outras coisas, mas não conseguiu.

Talvez ela estivesse tentando comprá-lo, e ele não se venderia barato. Talvez fosse uma tentativa silenciosa de reaproximação, e ele queria distância. Ou talvez não fosse nada. Essa idéia era mais cômoda.

Não resistiu.

Abriu o pacote de biscoitos de chocolate e comeu quase tudo, deixando somente um na geladeira. Sua vitória não seria completa.