9.2.06

Desde aquele dia na Lapa

Manter a concentração. Ah, como é difícil não pensar em qualquer outra coisa que não seja aquilo no que você deveria estar prestando atenção. Estava eu pensando nessa complexa questão, justamente enquanto deveria estar ouvindo o que dizia um entrevistado. Em minha defesa tenho a dizer que eu estava como mera observadora da entrevista, dando um ‘apoio moral’, digamos assim.
Na sala: a responsável pela entrevista, meu chefe a assessorando em sua tarefa, o entrevistado e eu, divagando sobre diversas questões. Ainda me impressiono com minha grande utilidade para o pleno desenvolvimento do trabalho em minha empresa.
Até que o papo estava, hum, interessante. Implantação da rede, sim, intranet, internet, processos, equipamentos... Que vista bacana tem essa sala. É uma sala simpática. Não muito grande, mas tem o tamanho ideal. E olha essa janela, olha essas árvores... Porque nós temos todas as condições de implantar a intranet, mas essa não é a nossa competência... Sim, que árvores bonitas! Tão próximas! E altas! Céus, essa janela é muito alta, olha só, dá pra ver o topo dessas árvores enormes... Isso é uma questão política. Falta o planejamento, mas tendo isso, não teríamos problema nenhum em tomar a frente da parte do processo que nos compete... Mas peraí: Estamos no térreo. Sim, não subimos escadas nem elevador. Como posso estar vendo o topo das árvores aqui do térreo? Como? Mundo estranho esse. Desde aquele dia na Lapa as coisas têm estado muito esquisitas. A parte dos equipamentos está sob a responsabilidade da presidência, já o resto do orçamento vem da unidade de administração... É, aquele dia na Lapa foi bem bacana. Mas e essas árvores? Sério, será que essa janela dá pra um barranco, precipício ou coisa que o valha? Só pode, não é possível ter a visão desse ângulo de árvores tão grandes estando no térreo. Mas que vista bacana, se eu trabalhasse aqui não conseguiria me concentrar em nada, só ia ficar observando o balanço dos galhos. Se bem que já não me concentro muito lá na minha sala fechada, então não faria tanta diferença assim. Sim, seria melhor que parte da equipe ficasse mais próxima aos equipamentos, para o caso de alguma pane. Mas outras pessoas não necessitam dessa proximidade física... Árvores, eu adoro árvores.
E assim passou o tempo, tudo transcorrendo na “mais santa paz de Deus”, como diria minha mãe. E eis que, de repente, avisto pela janela uma pessoa caminhando tranqüilamente... e penso eu com meus botões: a presença daquele indivíduo naquele inusitado local pressupunha um nível de solo que não condizia com o que estariam enraizadas aquelas árvores tão imponentemente altas. Ou seja, ele tá voando! Como, como pode? Já tinha me acostumado com a idéia do barranco, mas aquela pessoa caminhando ali, tão próxima à janela, acabava com minha teoria! Sim, nós temos esquemas de plantão, a rede funciona 24 horas... Só se eu estiver louca! Não tem como essa pessoa estar andando no ar! Nesses dois anos a rede não passou mais que duas horas fora do ar... Exatamente, caminhando no ar! Puxa, que divertido! O trabalho nessa sala deve ser um barato mesmo... árvores gigantes, precipícios, pessoas caminhando pelos ares... É basicamente isso. Qualquer dúvida é só me procurar novamente que esclareço com o maior prazer... Será que pergunto sobre a questão da exótica paisagem que se avista dessa janela? Não, deixa pra lá, acabaria com toda a magia do momento...
Na volta pra casa, numa segunda chuvosa, o ônibus avança veloz pelas ruas, fazendo com que se levante uma onda de água empoçada, como se, em vez do asfalto, estivesse andando sobre as águas... É, o mundo têm estado muito esquisito. Desde aquele dia na Lapa.